Matéria originalmente publicada na Revista DBO pelo jornalista Ariosto Mesquita
Fazer leitura de cocho sempre foi um desafio na pecuária intensiva, exigindo observação visual até três vezes ao dia. Justamente por isso está sujeita à subjetividade humana e erros de lançamento. Para resolver o problema, a Prodap, de Belo Horizonte, MG, desenvolveu uma tecnologia que garante 90% de precisão nos registros. Trata-se do Leitor de Escore de Cocho Digital ( LECD), uma estrutura de inteligência artificial que faz a varredura digital do cocho, identificando os escores e repassando as informações para um software de gestão que, após ler os dados, emite uma proposta de ajuste no trato subsequente.
O equipamento é composto por uma câmera 3D, que é instalada na ponta de uma estrutura metálica (para que ela “enxergue” bem o cocho) e conectada a uma unidade de processamento gráfico (GPU). Nos testes de validação e ajustes, o conjunto foi colocado em uma mochila costal (a câmera, externamente, e o GPU, internamente), para facilitar o deslocamento do funcionário responsável pela execução da tarefa, a pé ou de bicicleta. “Futuramente, a leitura poderá ser feita de moto ou carro. Por meio de georreferenciamento, também poderemos programar drones para sair, percorrer cochos e voltar”, prevê Rafael Mendes, gerente comercial da Prodap, que desenvolve o projeto em parceria com a empresa gaúcha Pix Force, especializada em visão computacional e inteligência artificial.
A ideia surgiu a partir de um design sprint, metodologia que identifica o desafio a ser resolvido e ajuda a viabilizar uma proposta. “Tivemos a participação da parte interessa da (clientes), em reuniões com supervisores de alguns dos principais confinamentos do País. Nesses encontros, identificamos a necessidade de algo que maximizasse os resultados produtivos na gestão da pecuária intensiva, onde a dieta representa perto de 70% dos custos operacionais. Qualquer desperdício é muito”, justifica Mendes.
Após a detecção do problema, veio o desafio de resolvê-lo. Para acelerar o desenvolvimento do leitor digital foi usado o squad, metodologia de gestão que prevê agilidade na realização dos projetos por meio da divisão da equipe de trabalho da empresa em pequenos times multidisciplinares. Isso possibilitou que a ferramenta fosse criada em menos de um ano.
Evolução tecnológica
A câmera 3D do leitor digital de cocho foi configurada para “entender” as imagens que processa. Essa visão computacional escaneia a estrutura e, por meio do machine learning (aprendizado de máquina, um dos recursos da inteligência artificial), mensura a quantidade de ração (em kg) que sobrou por metro de linha de cocho. “Nós alimentamos a inteligência artificial com padrões sobre o que pode aparecer na imagem e, aos poucos, o algoritmo vai aprendendo a discernir.
Quando as linhas das margens dos cochos não aparecem retas, por exemplo, ele naturalmente informa que parte da estrutura está quebrada”, explica o diretor. O leitor digital é, na verdade, uma evolução da leitura de cocho por aplicativo, possibilidade já oferecida pela Prodap.
A diferença fundamental é que este modelo em celulares ainda conta com a interferência do ser humano na manipulação de dados. É o homem, por exemplo, quem informa a nota de escore ao aplicativo.
A leitura pelo LECD é feita com base em um sistema de escore da Prodap que contém seis notas, emitidas com base na observação do cocho, no comportamento dos animais, na condição noturna do cocho (vazio ou não) e no período de tratamento. Com essas informações, são geradas as correções de tratos, cuja quantidade pode variar de + 1,5 kg a -1 kg de matéria seca.
Três momentos (3D) da visão analítica da câmera do LECD. Na imagem central, o verde representa a dieta que sobrou e o vermelho indica as abas do cocho.
De acordo com Mendes, até fevereiro deste ano a precisão na captação de dados era próxima de 80%: “Já resolvemos alguns desafios, como a trepidação no deslocamento por bicicleta, que fazia com que o GPU deixasse de funcionar e também os efeitos de eventuais sombras sobre o cocho, que confundiam o algoritmo”. Outros desafios ainda precisam ser resolvidos, como a adequação da ferramenta para uso em drones. Estes aparelhos têm, por enquanto, baixa autonomia de voo e fazem barulho, o que assusta os animais.
Também é preciso encontrar uma altura adequada e viável de voo para que a leitura seja feita corretamente. Durante a coleta de dados a campo, o LECD não demanda sinal de internet, que se faz necessária somente para transferência das informações do leitor para o software de gestão. De acordo com Mendes, este descarregamento de dados ocorre naturalmente, no momento em que a pessoa ou o veículo que transporta o leitor passa por alguma área com cobertura de rede.
Conexão específica
Como a tecnologia é parte integrante do software Prodap Views, somente com ele é possível essa comunicação. “As dietas e dados do rebanho estão cadastrados na plataforma, portanto somente ela compreende e processa as informações recebidas. No caso dos dados encaminhados pelo LECD, o software vai indicar a dieta seguinte, além de identificar a presença de pedras, objetos estranhos e até o consumo simultâneo no momento de leitura”, explica.
Existe a possibilidade de uso de mais de um leitor digital para realização de varreduras simultâneas, mas a Prodap diz não ser necessário. “Mesmo em confinamentos grandes, o trabalho pode ser feito por apenas uma pessoa de carro ou moto. Não faz sentido onerar todo o sistema com mais funcionários ou equipamentos”, explica Mendes.
Sobre o uso da tecnologia na terminação intensiva a pasto (TIP), Mendes diz ser possível, mas alerta que ajustes estruturais e de rotina seriam necessários. “O responsável teria de entender o semiconfinamento como um confinamento e fazer adequadamente a leitura de cocho, procedimento que não é comum na maioria dos projetos de terminação a pasto. O vagão misturador teria, obrigatoriamente, de possuir uma balança. No abastecimento de cocho, pode ser adotada dieta de semi, mas com estrutura de processos produtivos de confinamento”, explica.
Economia no cocho
Rafael Mendes considera que o leitor de cocho digital deve gerar pelo menos três impactos no confinamento: redução de despesas, aumento do desempenho animal (consequentemente, maior resultado financeiro) e facilidade na realização do trabalho. “Pressupondo-se um desperdício de ração da ordem de 5% em uma dieta que custa R$ 11/kg, eríamos economia de R$ 0,55.
Quando se trabalha com grande escala (por exemplo, 10.000 cabeças), imagine o monte de dinheiro que vai embora”, salienta o executivo. O maior benefício econômico da tecnologia, porém, será a melhoria no ganho de peso dos animais. “A média das fazendas atendidas pela Prodap registra ganho diário de carcaça (GDC) de 1,18 kg/cabeça. Imaginando-se que o leitor digital contribua para elevar em 5% este desempenho, nossos cálculos indicam ganho de R$ 33,61 a mais por animal abatido, considerando-se a arroba a R$ 180 e um período de 90 dias de cocho”, calcula Mendes, advertindo, porém, que ainda é cedo para avaliar o impacto total da tecnologia no confinamento. “Os erros nas leituras tradicionais de cocho são certamente superiores a 10%. Portanto, se este leitor colaborar com 50% de redução dos erros, avalio 5% de melhoria como um índice bem razoável”, prevê o executivo.
Quanto custará essa tecnologia para o confinador?
A proposta da empresa é cobrar uma mensalidade, calculada com base na quantidade de cabeças e na frequência de uso do software. Na conta, entram ainda os desafios de implementação, sistema produtivo e necessidades estruturais. “Considerando todos os serviços prestados pela nossa plataforma digital, temos clientes que pagam mensalidade de R$ 200 a R$ 7.000. O investimento do confinador também dependerá do seu nível tecnológico. É fundamental ter internet e rebanho todo brincado”, diz Mendes. Números fechados em fevereiro de 2020 revelam que a Prodap atende 215 fazendas, faz a gestão de 431.000 hectares de pasto e conta com 3,1milhões de animais cadastrados em sua plataforma.
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